Julho é um mês que geralmente oferece muitos dias maravilhosos para se voar em Santa Maria, RS: céu esplendorosamente azul, algumas nuvens brancas esparsas e um frio gostoso de inverno. A cidade fica um tanto “morta”, sem vida aparente, seus moradores enfurnados nas casas, aproveitando o aconchego de uma lareira e o compartilhamento de uma cuia e chimarrão. Neste cenário típico de uma cidade dos pampas gaúchos o aeroclube constava como uma alternativa para os finais de semana e naquele domingo ensolarado no ano de 1986 ,para lá me dirigi visando alguns momentos com meus camaradas e talvez alguma atividade aérea.
Encontrei-me com alguns paraquedistas iniciantes, entre eles colegas da Força Aérea e após algumas confabulações decidimos realizar alguns saltos. Nesta época eu era pára-quedista classe “A”, capaz de dobrar os para quedas e calcular o ponto de salto. Juntamente com dois colegas dobrei os seus velames, modelo TU, básico para iniciantes e na sequência dobrei meu velame modelo “papillon”, um colorido para quedas de origem francesa. Por volta das 14 horas retiramos o banco dianteiro direito e a pequena porta traseira do Piper PA-20, realizamos algumas simulações da saída da aeronave e então colocamos nossos equipamentos. O piloto girou o motor, embarcamos e lentamente a aeronave iniciou o taxi em direção a pista principal. Da porta acenamos para os amigos e as dezenas de pessoas que passeavam por entre as aeronaves estacionadas junto ao aeroclube. Mais alguns instantes o piloto acelerou a manete e o pequeno avião deixou a segurança do solo, ganhando os ares e acelerando a batida dos nossos corações.
Os Saltos
Estamos a 2.400 pés do solo, algo em torno de 800 metros, voando contra o vento e passando sobre a vertical do aeroclube, em direção ao PS (ponto de saída). Na passagem anterior, nesta mesma altitude eu lancei uma sonda colorida e observei sua descida até o solo ao sabor do vento, seu ponto de impacto me dando as referências para o cálculo do ponto exato de saída. O primeiro paraquedista está agachado, próximo da porta, olhando-me com um misto de medo e ansiedade. A poucos segundos do sobrevôo do PS eu me afasto da porta, ajudo-o a sentar-se com as pernas para fora, seguro a fita de abertura de seu para quedas e grito no ouvido “VAI”. Ele então projeta o corpo para fora, impulsionando-o com os braços e inicia sua queda rumo ao solo. A fita de abertura estica, rompe o lacre da bolsa que contem o velame, desenrola-o, libera as linhas de sustentação e se solta do para quedas. O vento infla o velame e mais alguns décimos de segundo o companheiro está balançando a algumas dezenas de metros abaixo, na segurança de seu velame aberto. Recolho a fita e a bolsa e as acondiciono no fundo do avião. O piloto repete o circuito, o segundo paraquedista toma sua posição e mais um pouco também ele está descendo suavemente, aproveitando o belo visual e sentindo um pouco do que é ser um pássaro planando livremente na imensidão dos céus. Iniciamos novo circuito, desta vez ganhando altitude e ao nos aproximarmos novamente do PS estamos a 3.400 pés, cerca de 1100 metros. Sentado na porta, pés impulsionados para trás pela alta velocidade do avião, sinto o frio de inverno intenso nesta altitude somado ainda a velocidade do ar, me fazendo tiritar e me congelando os ossos, jogando bem para abaixo de zero grau a sensação térmica. Este sofrimento foi largamente recompensado quando olhei para o solo e visualizei a pista em toda sua extensão, alguns helicópteros UH-1H e aviões xavantes estacionados no pátio da Base Aérea, o hangar do aeroclube e as instalações do aeroporto, agora diminutas vistas aqui de cima. Ver o mundo abaixo de seus pés, sem apoio, sentado na porta aberta de um avião é uma daquelas experiências inesquecíveis e difíceis de explicar… só quem as vivenciou vai me entender.
Impulsiono meu corpo, me separo do avião, imediatamente o vento me atinge com força, entreabro as pernas, trago os braços abertos para próximos do corpo e avisto lá em cima o PA-20 se afastando velozmente. Estabilizo minha posição e olho para baixo, sentindo o vento assobiar nos ouvidos, a minha velocidade de queda em franca aceleração, a pressão do ar no meu rosto e no meu corpo. Inicialmente a sensação é que estou flutuando, o solo parece imóvel, distante, inatingível… mas alguns segundos depois a pista e os hangares começam a crescer e instintivamente olho para o meu altímetro, o qual marca cerca de 900 metros. Olho mais uma vez para baixo, confiro minha posição e o altímetro já está atingindo os 800 metros. Com a mão direita puxo o aro metálico de acionamento do velame principal, levo os braços para frente e sinto o tranco final da abertura. Olho para cima e procuro por entre as linhas de sustentação os dois batoques de controle do velame aberto. ABERTO ? ? ?
( continua na parte 2 4 segundos…o reserva.)
Texto e imagens -Reinaldo Neves
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